
Caimán de aspecto hambriento en Possa da Londra en el Patanal brasileño… 2015
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A tarde caía sobre San Ignacio como uma rede púrpura estendida entre as árvores. Horacio havia regressado de suas andanças pelo mato com aquela fadiga doce que deixa o trabalho honesto, quando a natureza lhe preparou uma de suas brincadeiras mais sinistras.
Deitado em sua rede, com o facão ao alcance da mão e o garrafão virado a seus pés, lia pela enésima vez O barril de amontillado, quando um ruído estranho o distraiu das páginas. Era como se a própria selva respirasse com dificuldade.
O jacaré apareceu de repente, surgiu das águas barrentas do riacho com a lentidão terrível dos grandes lagartos. Mas havia algo anormal em seus movimentos; arrastava-se em sua direção com a torpeza de quem carrega algo pesado demais.
—Patrão… —a voz chegou abafada, rouca, das profundezas do réptil—. Me ajude… está me matando a indigestão…
Horacio deixou cair o livro. Na selva missioneira havia visto de tudo: víboras que hipnotizavam com o olhar, capivaras que adivinhavam o futuro, onças que falavam em guarani. Mas um jacaré com problemas digestivos superava sua experiência.
—Jacinto? —perguntou, reconhecendo a voz anasalada de seu peão.
Um arroto formidável foi toda a resposta. O jacaré se contorcia agora em convulsões, e do fundo de sua garganta brotavam as queixas inconfundíveis do peão:
—Por todos os santos! Me tire daqui, seu Horacio! Este bicho vai me fazer mingau!
Não havia tempo a perder. Horacio pulou da rede, empunhou o facão e com um golpe certeiro decapitou o jacaré. O sangue negro se derramou sobre a terra avermelhada enquanto ele abria o ventre do animal com um talho limpo.
Das entranhas quentes emergiu Jacinto Escalera, coberto de baba esverdeada, ofegando como um peixe fora d’água, mas milagrosamente vivo. Levantou-se com dificuldade, sacudiu os sucos gástricos e olhou para seu patrão com olhos onde brilhava uma mistura de gratidão e reprovação.
—Seu Horacio —disse, cuspindo um pedaço de vegetação meio digerida—, depois disso, acho que mereço um aumento.
Horacio limpou o facão na grama, contemplou o cadáver do jacaré e depois seu peão, que já se limpava metodicamente das vísceras grudadas na roupa.
—A selva está se civilizando, Jacinto —murmurou, dirigindo-se ao garrafão—. Até os jacarés praticam agora a digestão sindicalizada.
E enquanto o sol se afundava definitivamente atrás das árvores, ambos os homens beberam em silêncio, sabendo que a natureza missioneira lhes havia concedido mais uma trégua em sua guerra cotidiana contra o impossível.
Nota do naturalista: O jacaré negro (Caiman yacaré) é efetivamente uma espécie nativa da América do Sul que pode alcançar dois metros de comprimento. Sua coloração escura e sua couraça dorsal o convertem em um predador perfeitamente adaptado às águas turvas dos rios missioneiros. Embora raramente ataque o homem, os casos de sua indigestão por comer peões têm sido escassamente documentados na literatura científica.
