Gente que Cuenta

Fita Leiva,
por Luli Delgado (port)

Sociedad de baile Terpsicore de Coro Atril press
Detalhe da foto da Sociedade de Baile Terpsícore de Coro, 19 de janeiro de 1910.
Fita Leyva é a quarta moça da segunda fila. Yeyé, a primeira da terceira fila.
Fonte: arquivo da família Del Ciervo.

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        Numa noite de Natal, muitos anos atrás, estávamos todos reunidos na casa da minha infância. Yeyé —tia de todos nós e já passada dos noventa— morava conosco, então, depois do jantar, minha mãe a levou para ajudá-la a se trocar, vestir o pijama e se acomodar em seu mundo noturno.

Pouco depois, minha mãe voltou, com Yeyé já instalada em seu santo lugar, e perguntou à minha avó, como quem tenta dissipar uma dúvida de passagem:
—Mamãe, você sabe quem é Fita Leiva?

Minha avó contou que Fita tinha sido uma amiga muito querida, morta de tifo quando ainda era muito jovem. Uma daquelas presenças que ficam suspensas no tempo.

—Pois deixe-me dizer que esta noite ela jantou conosco —disse minha mãe.

—Como assim? —perguntou minha avó.

Todos nos viramos, esperando a resposta. Yeyé, como se fosse a coisa mais natural do mundo, comentou comigo pouco antes de se deitar:
—Tão consequente a Fita Leiva… todos os anos vem jantar conosco.

E bem, fazer o quê. Se foi Yeyé quem disse, quem éramos nós para discutir?

Muitos anos se passaram —se não trinta, algo por aí— até que desempolhei um velho projeto e escrevi um livro sobre as memórias da minha avó Ángela, chamado Antes de que se vayan. Para a capa, escolhi uma fotografia da Sociedade de Baile Terpsícore de Coro, sua cidade natal, tirada em janeiro de 1910.

Enquanto escrevia esta nota, tive de repente um lampejo. Procurei o livro e fui revisando, nome por nome, a lista das pessoas que haviam posado para aquele retrato —um verdadeiro acontecimento em sua época—. E, de fato, na segunda fila, como a oitava da esquerda, lá estava Fita Leiva: belíssima e, como o resto das pessoas na foto, vestida especialmente para a ocasião.

Yeyé tinha razão. Fita Leiva sempre foi muito consequente conosco. Tão consequente que, quietinha e pontual, voltou mais uma vez para se deixar ver e compartilhar o Natal conosco.

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Luli Delgado é uma jornalista venezuelana com mestrado em Cinema e Vídeo pela American University em Washington, D.C. Foi Diretora Executiva da Fundação Andrés Mata no El Universal em Caracas e Gerente do Centro de Documentação da TV Cultura em São Paulo. É autora de diversos livros e artigos. delgado.luli@gmail.com

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