Gente que Cuenta

Micro-desprezos,
por Luli Delgado

Victor Borisov Musatov Atril press
Victor Borisov-Musatov,
Señora en el jardín, 1903
Fuente: https://www.wikiart.org/

leer en español

        Ao longo da vida, pequenos diálogos acontecem e, sem serem dramáticos, deixam uma marca sutil. Não pelo que dizem, mas pelo que revelam.

“Ele me disse que se as coisas mudassem…”
“Não é assim que funciona. Mesmo que mudem, tudo continuará igual.”

“E então eu disse a ele que não queria…”
“Você deveria ter dito que não podia. Soa melhor.”

“Acordei com o coração pesado hoje…”
“Você sempre leva tudo muito a sério.”

“Meu nível de açúcar no sangue subiu…”
“Por sorte, estou perfeitamente bem.”

Essas são respostas que parecem insignificantes, quase automáticas. Mas, com o tempo, começamos a perceber que por trás dessa forma de responder, há algo mais profundo: a dificuldade de escutar. Não de ouvir palavras, mas de acolher o que a outra pessoa traz.

Escutar implica uma pausa. Um espaço onde a experiência da outra pessoa tem valor em si mesma, sem precisar corrigi-la, minimizá-la ou transformá-la em uma comparação. Quando essa pausa está ausente, a conversa se transforma numa corrida de revezamento onde ninguém realmente contribui com nada; opiniões são simplesmente lançadas ao vento.

Às vezes, tentamos ajustar o ritmo, explicar melhor, encontrar um terreno comum. Mas se a mesma ladainha se repete, se a resposta sempre vem de um lugar de superioridade ou desprezo, algo começa a incomodar. Não é um golpe; é uma erosão silenciosa.

Ao longo dos anos, entendemos que esses pequenos gestos — que alguns chamam de microagressões — podem moldar um relacionamento inteiro. E que, quando isso acontece, nenhum esforço individual consegue mudar a situação. Então surge a inevitável pergunta: por quanto tempo mais devemos insistir antes de desistir?

Reconhecer que é hora de mudar de rumo nunca é fácil. Mas, às vezes, essa decisão traz uma clareza inesperada, uma leveza que confirma que carregávamos mais do que imaginávamos.

Não compartilho isso por amargura, mas por aprendizado. Relacionamentos, como contas bancárias, têm números que não podem ser alterados pela força de vontade. Podemos analisar os números, discuti-los, refletir sobre eles… mas eles permanecem os mesmos. E compreender isso também é um ato de maturidade.

No fim, como nos lembra Serrat, “o que não tem é remédio”. E talvez aceitar isso seja, em si, uma forma de paz.

IMG 8842
Luli Delgado é uma jornalista venezuelana com mestrado em Cinema e Vídeo pela American University em Washington, D.C. Foi Diretora Executiva da Fundação Andrés Mata no El Universal em Caracas e Gerente do Centro de Documentação da TV Cultura em São Paulo. É autora de diversos livros e artigos. delgado.luli@gmail.com

Compartir en

    ¡Assine a nossa Newsletter!