
Botes en Etretat, 1920
Fuente: https://www.wikiart.org/
Lembras-te do barco adormecido na areia à espera de que a maré o acordasse e levasse para o destino que era seu: o inominável azul, longe dos lívidos horizontes do nosso descorado dia a dia? Lembras-te como submissos à moral da moralidade de outros acatamos a felicidade das sardinhas enlatadas e planeamos piqueniques que nunca fizemos? E, demasiado iguais à janela de um saguão ansioso pela outra fase da lua, forçamos sorrisos e agradecemos a persistente monotonia das coisas ridículas, como se elas fossem a madrugada pela qual tanto esperávamos?
Lembras-te? perguntaste-me, sabendo que eu encolheria os ombros, procurando abafar no silêncio o incómodo de pensar que as papoilas voam nas asas das borboletas e que exaustos pela imensidão do céu pássaros mergulham no rio com a euforia de um náufrago que ao longe vislumbrou uma vela.

Como ficcionista publicou: “Sobre outra coisa ainda” (13 short stories), Coleção LPF 20, X11, Edições esgotadas, Porto 2018; “Neste sonho que sou de mim”, Coleção LPF 20, X1, Edições esgotadas, Porto 2020. Como se de outro ela fosse, Edições esgotadas, Porto 2023.
Fotografía: Oliver Perrin