Gente que Cuenta

A grande divisão, por Alfredo Behrens

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Montagem: Luli Delgado

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A Conferência Quinquenal da Sociedade Geológica não podia ter escolhido lugar pior. Asele, na Etiópia, reuniu duzentos dos melhores geólogos do mundo para o debate bombástico: “Por que a Deriva Continental Continua Sendo Papo Furado Científico.”

O Professor Harold Blackstone ajeitou a gravata-borboleta antes de subir no palco, curtindo a expectativa. “Caros colegas,” começou, a voz ecoando pelo auditório improvisado. “Estamos aqui hoje para acabar de vez com essa lenda da deriva continental. A África ficou parada desde sempre, e eu fico aqui na minha—firme na convicção!”

Só que ninguém sabia que Asele ficava bem em cima das placas tectônicas africana e somali se separando. Como num filme, um barulhão baixo balançou o prédio todo. Os copos d’água tremeram na mesa do coffee break.

“Só um tremorzinho local,” Blackstone dispensou. “Voltando ao absurdo desses continentes se mexendo—”

Uma rachadura apareceu no chão do palco, bem entre os sapatos engraxados dele. A plateia ficou inquieta quando rachaduras parecidas se espalharam pelo chão da sala.

“A prova contra a deriva é total!” Blackstone berrou, falando mais alto por causa do barulho, enquanto abria as pernas sem perceber para se equilibrar no buraco que crescia. “Esses continentes são fixos, imutáveis—MEU DEUS DO CÉU!”

A rachadura virou um abismo. Blackstone se viu fazendo um split cada vez mais desesperado, as pernas indo para placas tectônicas opostas.

Na plateia, deu o maior caos. As cadeiras começaram a escorregar para lados opostos. A sala inteira estava se partindo no meio. Os fãs do Wegener ficaram na placa somali, enquanto os céticos da deriva se agarravam nos móveis do lado africano.

Os repórteres correram para filmar—geólogos medindo desesperadamente a própria situação, estudantes catando pedras da terra que acabara de aparecer, e no meio de tudo, o Professor Blackstone numa ginástica impossível enquanto o buraco crescia.

“Talvez eu precise… repensar… minha posição!” Blackstone arfou, a voz tensa enquanto sua dignidade sumia no vale que se abria em baixo dele.

Do outro lado da divisão, a Dra. Elena Rivera riu alto pelo que rapidamente viravam dois auditórios separados. “Será que a tese do Wegener só vai ser aceita depois que o último geólogo cético morrer num split entre duas placas tectônicas!”

Alfredo Behrens Atril press
Alfredo Behrens alcançou o grau de Ph.D. pela Universidade de Cambridge. Ele ensinou Liderança nas melhores escolas de gestão e foi publicado ou premiado por Harvard, Princeton e Stanford. Alfredo tem quatro filhas e, com a sua mulher Luli Delgado, mora no Porto, Portugal, desde 2018. Alguns dos seus livros podem ser adquiridos através da Amazon.
alfredobehrens@gmail.com

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