Seu lugar,
por Alfredo Behrens

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      O Cardoso também é filho de Deus. Ele é dono de um pedaço do Porto. Não é propriamente dono, digamos que é regente de um estacionamento. Há um parquímetro, mas o Cardoso aponta para as vagas e guia os motoristas ao estacionar seus carros. Por esse trabalho ele aceita umas moedas. Também ajuda a distrair os fiscais que querem multar, e por esse serviço ganha mais um pouco.

Ele costumava a sentar na mesa da esplanada de um restaurante defronte ao estacionamento. Mas um dia a dona do restaurante o enxotou. Não sei ao certo porquê. Mas sei que ele se sentiu ferido na sua dignidade. Isso ele me contou. Ferido ao ponto dele não mais nem aceitar nem água nesse restaurante.

O Cardoso trabalha nesse ponto de domingo a domingo. O trabalho não ocupa todas as horas do dia. Ele interrompe para almoçar. E agora percebi por um anúncio que postou numa coluna, que também tira férias. Ao anunciar as datas das férias, ele acenou com a sua volta.

Pelo anúncio os clientes sabem que embora ele não esteja nesses dias, ele voltará. Assim ele os fideliza, e com isso também afasta pretendentes à sua regência. Esse é seu trabalho. Com ele ganha o pão dele, e algumas bebidas também. Alguns poderiam chamar ele de freela. Mas não acho que ele o perceba assim. Ele poderá não saber da vida dos seus clientes, mas os reconhece, e eles a ele. Eu não sou cliente dele porque não tenho carro. Mas o reconheço. E ele a mim. Há uma relação, pela sua presença ele nutre a minha dignidade e eu a dele. Acho que é isso também que o ele procurou ao anunciar as férias dele. Ele quis explicar que embora ele não esteja aí, ele pensa nas pessoas, e voltará.

Eu gostaria de voltar a ver ele aí, e de ver seu sorriso ao meu reconhecer. É algo muito bonito, que não se perdeu mesmo quando a dona do restaurante o enxotou. Isso foi algo feio. Trabalhador nenhum deve ser ferido na sua dignidade, ela está presente no seu anúncio de férias. O Cardoso é alguém.

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