
Vuelo nocturno sobre L.A. s/f
Fuente: https://www.kingandmcgaw.com/
Viajar de avião é resignar-se à promiscuidade com quem nunca imaginamos. E quando entalados entre a esquerda e a direita mais apertado parece o lugar que a inquestionável inteligência artificial decidiu atribuir-nos. Em silêncio, resmungamos e sem querer sentimos o incómodo de quem também nunca imaginou ser obrigado a suportar nossos cheiros e suspiros, além daquela cara de enjoo que nem o forçado meio sorriso consegue disfarçar. Depois, como animal que alça a pata e urina para avisar outros possíveis predadores, alargamos os ombros, esticamos as pernas (se possível fora dos limites do espaço que nos é reservado) e expirando pousamos os cotovelos, aliviados por ter vencido tanta contrariedade. Num gesto disfarçado olhámos de soslaio e, antes que alguém ouse algumas “palavras de episódio para episódicas viagens”, sem perder um instante mergulhámos no abençoado smartphone, ansiosos de ver, sentir e voar para além da insípida e descolorida realidade das coisas. E por fim, quando no avião se anuncia que a aterragem está próxima, subitamente reparamos que a pessoa que viaja a nosso lado nos é familiar e até conhecida…

Como ficcionista publicou: “Sobre outra coisa ainda” (13 short stories), Coleção LPF 20, X11, Edições esgotadas, Porto 2018; “Neste sonho que sou de mim”, Coleção LPF 20, X1, Edições esgotadas, Porto 2020. Como se de outro ela fosse, Edições esgotadas, Porto 2023.
Fotografía: Oliver Perrin