Este relato foi um dos vencedores do concurso Atril.press em seu segundo aniversário.
Há coisas e circunstâncias que não nos ficam muito tempo na memória. Há outras que são imorredoiras, muitas delas relacionadas com quem nos está sempre no coração.
Também se diz que, com o passar dos anos, são as memórias mais antigas as que melhor recordaremos. Na verdade, pelo que tenho testemunhado junto de pessoas idosas, elas passam mesmo a estar bem vívidas e a tomar o lugar da realidade atual, com as personagens antigas e atuais a confundirem-se. Já lá vão muitos anos, mas ainda não tantos que seja essa a minha situação. É verdade que recordo coisas passadas cada vez com mais nitidez, mas sem que me façam perder a noção da realidade. Os meus filhos são adultos e eu tenho cada vez mais presentes certos acontecimentos da vida deles: como nasceram e como cresceram e se desenvolveram. São muitas as estórias que guardo, e esta é uma delas.
Havíamos chegado aos EUA com nossos filhos. O tempo, os anos, foram passando, enquanto nós procurávamos manter a língua portuguesa em casa. O português, apesar dos nossos esforços, escoava-se-nos por entre os dedos. A convivência com os amigos dos nossos filhos, e com os pais deles, era constante. Pelo que o inglês imperava inevitavelmente. Mas eu era chamada de mãe e o pai era chamado de pai. Um dia, quando o Joca trouxe da escola uma tarefa, escrever um livro sobre o pai, recusou qualquer ajuda. Muito dedicado ao trabalho, foi para o computador e, com orientação apenas na tecnologia, começou a escrever. Lá ficou sozinho a trabalhar e, no fim, apareceu com algumas folhas A4 escritas de forma tal que, dobradas ao meio, dava para coser e fazer um caderno. Traído pela homofonia entre pai e pie (torta, em inglês) na capa escreveu o título do livro: My Pie
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