Gente que Cuenta

Velásquez e Cervantes,
por Alfredo Behrens

Diego Velasquez Atril press 1
Diego Velásquez,
Retrato ecuestre del Conde-Duque de Olivares, 1634
Fuente: https://www.museodelprado.es/

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        Madri cintilava no calor do verão enquanto Diego Velázquez percorria os corredores do palácio. Era o ano de 1624, e o jovem artista de Sevilha ainda se maravilhava com a rapidez com que sua sorte havia mudado.

“O Rei precisa de um novo retratista”, escrevera Olivares, incluindo cinquenta ducados para a viagem. “Ouvi dizer que seu pincel fala a verdade.”

A verdade era uma mercadoria perigosa na corte. Velázquez, neto de conversos embora alegasse linhagem nobre, entendia isso. Sua ascendência moura—sussurrada em Sevilha—estava enterrada sob camadas de respeitabilidade e registros batismais. A corte se importava apenas com seu talento.

Seu retrato de Felipe IV lhe trouxe tudo: um salário real, acomodações, a promessa de que ninguém mais pintaria o monarca. Olivares manteve sua palavra, tornando-se o grande patrono de Velázquez.

“Pinte-me como desejo ser lembrado”, ordenou Olivares anos depois, em pé com trajes militares. “Um homem de ação, não apenas de política.”

Velázquez obedeceu, criando retratos magistrais do Conde-Duque: resplandecente a cavalo, digno com sua cruz verde de Alcântara. Com cada tela, ele retribuía a dívida de gratidão ao homem que o havia elevado de pintor provincial a artista da corte.

No entanto, com o passar dos anos, Olivares mudou. O fardo de governar um império em declínio pesava sobre ele. Noites de insônia geravam paranoia; as sangrias prescritas pelos médicos da corte só pioravam sua condição. Sua mente, antes incisiva, produzia prosa tortuosa, vagando por labirintos de pensamento.

Uma manhã, Velázquez encontrou Olivares diante de seu retrato, tremendo de raiva.

“Você me plagiou! Você roubou minha essência!” ele gritou, com olhos selvagens. “Cada pincelada leva um pedaço da minha alma! Você—com seu secreto sangue mouro—pratica feitiçaria contra mim!”

A corte ficou em silêncio. Velázquez, compreendendo o perigo, reuniu o que pôde naquela noite e fugiu. Quando já atravessava o Mediterrâneo foi preso pelos corsários berberes, e já no calabouço Velázquez leu um rabisco na parede: “Cervantes esteve aqui”, e compreendeu que o melhor da sua pintura ainda estava por acontecer.

Alfredo Behrens Atril press
Alfredo Behrens alcançou o grau de Ph.D. pela Universidade de Cambridge. Ele ensinou Liderança nas melhores escolas de gestão e foi publicado ou premiado por Harvard, Princeton e Stanford. Alfredo tem quatro filhas e, com a sua mulher Luli Delgado, mora no Porto, Portugal, desde 2018. Alguns dos seus livros podem ser adquiridos através da Amazon.
alfredobehrens@gmail.com

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