Gente que Cuenta

Ratataaá-tá,
por Alfredo Behrens

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“Tinha uma cara normal, embora com um ar diferente. Mas o mais intrigante é a sua incoerência…”

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      Não era fácil compreendê-la, pelo menos para alguém que não tinha sido guerrilheiro. Gesticulando como se estivesse a disparar, perguntou-me se eu achava que ela, depois de ter empunhado uma metralhadora, podia agora empurrar um carrinho de supermercado. Tinha razão, agora não seria fácil para ela entrar na fila da padaria depois de ter, com uma metralhadora, ter se feito de todos os biscoitos pelos quais os normais tínhamos de pagar.

Tinha uma cara normal, embora com um ar diferente. Mas o mais intrigante é a sua incoerência. Mentia, da sua boca saiam mentiras também como à boca de uma arma. Por exemplo, apareceu no apartamento do meu vizinho, vinda de um país nórdico distante, onde esteve exiliada durante alguns anos. Casou com meu vizinho, de algumas virtudes e de um nariz muito grande. Sei disso porque fui testemunha do casamento, tendo assinado a certidão de casamento. Depois discutiram e ela desapareceu. O vizinho angustiado perguntou por ela onde podia fazê-lo em segurança, para não dar nas vistas. Até me disse que ela tinha desaparecido grávida. Temia pela sua vida e pela do seu filho. Eram tempos perigosos. Por fim, deixou de perguntar e nunca conseguiu divorciar-se.

Acontece que, anos mais tarde, ao visitar primos num país do sul, vi uma fotografia dela na sala de estar e fiquei surpreendido por eles a conhecerem. Sim, nós conhecemo-la, ela casou com um grande amigo nosso. Como assim, casou? Perguntei-te consternado. Sim, e têm um rapazinho lindo, continuaram, ao que eu perguntei, a brincar, qual era o tamanho do nariz do rapaz. Os meus primos riram-se comigo, curiosos com a minha pergunta, e eu disse-lhes que a criança podia ser filho do meu vizinho narigudo com quem ela tinha casado. Não, ela era solteira quando chegou! garantiram-me. Pouco a pouco, aperceberam-se de que ela tinha um passado que desconheciam. Quem sabe, ela mentia para criar cortinas de fumo, ou talvez porque acreditava nisso, e também porque não se importava de mentir para usar os outros.

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Alfredo Behrens é doutor pela Universidade de Cambridge, leciona estratégia e assuntos interculturais para a escola de negócios FIA em São Paulo y para Harvard Business Education.
Alguns de seus livros podem ser adquiridos na Amazon.
ab@alfredobehrens.com
Alfredo Behrens has a PhD from Cambridge University, teaches strategy and intercultural issues at FIA Business School in São Paulo and at Harvard Business Education.
Some of his books can be purchased on Amazon.
ab@alfredobehrens.com

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