Gente que Cuenta

Ao amor comprado, dê-o por perdido

Alfredo Behrens

Muitas das pessoas que aceitaram um novo emprego no ano passado não estavam procurando por ele – alguém veio e os ofereceu. Isso se tornará mais frequente com o passar da pandemia, quando a disputa por talentos no mercado de trabalho se tornar mais competitiva. Até agora, as empresas tinham basicamente duas opções de preenchimento de vagas: contratar no mercado ou promover internamente. O problema é que aqueles que vêm de outra empresa podem levar mais de dois anos para ter um desempenho tão bom quanto os funcionários que mudariam de função dentro da mesma empresa. Isso de acordo com estudos norte-americanos. O outro lado do mesmo problema é que quem fica em uma empresa pode levar mais do que o dobro do tempo para atingir uma remuneração semelhante a quem foi contratado de fora da empresa. Ou seja, a diferença salarial induz o empregado a se afastar.

Existe uma dificuldade adicional: em países onde as pessoas confiam menos em quem não conhecem, os contratados de fora da empresa terão ainda mais dificuldade em serem aceitos nas equipes com as quais devem trabalhar.

Vou ilustrar você com uma pequena história. Houve uma época de vacas muito magras na venda de automóveis no Brasil. Tanto, que algumas empresas concorrentes consolidaram suas linhas de produção para economizar custos. Além disso, muitas pessoas foram demitidas. Como os trabalhadores moravam perto das fábricas, as demissões tiveram um grande impacto no tecido social das cidades, gerando pobreza e frustração.

Quando a chuva parou, a empresa consolidada resultante retomou as contratações.

Mas, em vez de sair pedindo a candidatos desconhecidos que enviassem seus currículos, pediu indicações aos funcionários que não tinham sido demitidos. Claro, ele avisou que isso pesaria em seu histórico de serviço se um de seus indicados acabasse tendo um desempenho ruim.

Com essa política, a empresa reconheceu que seu clã havia sido maltratado com demissões e premiou seus melhores com a possibilidade de ajudá-los, dando-lhes o poder de indicar e, ao mesmo tempo, envolvendo-os na indução de novas contratações. Claro, a história é mais longa do que a que acabei de contar, mas o que me interessa destacar é que essa empresa reconheceu que operava em um ambiente de clã e entendeu que a lealdade interna poderia ser um importante motivador para garantir a produtividade da empresa.

Alfredo Behrens é doutor pela Universidade de Cambridge, leciona Liderança para as escolas de negócios da FIA em São Paulo e IME em Salamanca, e é Presidente do Conselho Estratégico da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, onde reside.

Alguns de seus livros podem ser adquiridos na Amazon.

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