
João folheava o Decameron em seu tablet, a tela iluminando seu rosto no quarto escuro. A história de Neifile, conto 1.2, saltou aos seus olhos como um pop-up de revelação: o judeu se convertia ao catolicismo por conveniência. Era a solução perfeita para o dilema do seu amigo Abraão, que vivia reclamando no grupo do WhatsApp sobre as complicações do seu passaporte israelense.
“Cara, você precisa de um upgrade de cidadania,” João digitou para Abraão. “Já pensou num passaporte guaio? Facilitaria demais suas viagens.”
Intrigado, Abraão decidiu dar uma chance. Reservou uma passagem para Guai pela app, pensando que no mínimo faria um tour gastronômico e encheria seu Instagram de fotos exóticas.
Ao pousar em Guai, Abraão mal teve tempo de postar um story antes de ser abordado na imigração. Mencionou casualmente seu interesse em um passaporte local e, num piscar de olhos, foi conduzido a uma sala VIP.
Ali, com a eficiência de um drive-thru, pagou alguns milhares via PayPal, posou para um selfie oficial e saiu com um passaporte novinho, assinado digitalmente por alguém chamado @Artesiano.
De volta ao Brasil, Abraão fez uma videochamada com João. “Mano, você não vai acreditar,” ele disse, os olhos brilhando. “Não quero só o passaporte guaio agora. Quero ser guaio! Um país que desburocratiza a burocracia assim só pode ter a bênção divina nos seus termos de serviço!”
João riu, lembrando da história do Decameron. A fé moderna, pensou ele, às vezes vem em forma de um QR code.

Alfredo Behrens alcançou o grau de Ph.D. pela Universidade de Cambridge. Ele ensinou Liderança nas melhores escolas de gestão e foi publicado ou premiado por Harvard, Princeton e Stanford. Alfredo tem quatro filhas e, com a sua mulher Luli Delgado, mora no Porto, Portugal, desde 2018. Alguns dos seus livros podem ser adquiridos através da Amazon.
alfredobehrens@gmail.com