Gente que Cuenta

Descanse em paz,
por Alfredo Behrens

Cimon y Pero Atril press
Cimón y Pero (45-79 d.C.), afresco encontrado em Pompeia. Museu Arqueológico Nacional de Nápoles.
Fuente: https://es.wikipedia.org/

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No prédio de serviços públicos, o ar era pesado de cansaço. Pessoas arrastavam-se pelos corredores, perdidas entre guichês e burocracia, sem a certeza de onde resolveriam seus dilemas. Eu, como alguns outros, esperava sentado, resignado à minha vez.

De repente, uma mulher de uns quarenta anos, óculos de lentes grossas e cabelo preso, passou apressada à minha frente. Erguia a mão direita com um cartão de identificação, como se acenasse para alguém. Atrás dela, um ancião de passos arrastados e costas curvadas, magro, seguia perguntando o que havia acontecido.

Sem lhe prestar muita atenção, talvez por isso o cartão estivesse tão alto, ela respondeu com impaciência: “O chip morreu.”

Ele se persignou, murmurando um “Que em paz descanse”, e com a voz trêmula inquiriu: “De que morreu?”

Ela repetiu, ainda mais impaciente: “O chip, pai, foi o chip que morreu!”

“Coitado, quando foi?”, ele lamentou. Os dois se afastaram por um corredor, e não consegui mais ouvir a conversa. Mas com o canto do olho, vi o homem sentado ao meu lado sorrir. Embora a cena tivesse algo de trágico, ela também possuía o caráter altruísta da cena de Pero amamentando seu pai Cimão, condenado a morrer de inanição em uma prisão.

Alfredo Behrens Atril press
Alfredo Behrens alcançou o grau de Ph.D. pela Universidade de Cambridge. Ele ensinou Liderança nas melhores escolas de gestão e foi publicado ou premiado por Harvard, Princeton e Stanford. Alfredo tem quatro filhas e, com a sua mulher Luli Delgado, mora no Porto, Portugal, desde 2018. Alguns dos seus livros podem ser adquiridos através da Amazon.
alfredobehrens@gmail.com

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