Gente que Cuenta

Fé cega, por Alfredo Behrens

Jean Buland Atril press
Jean Buland,
El garito (detalle), 1883
Fuente: https://www.artrenewal.org/

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        Há mais de trinta anos, Ezequiel aposta no mesmo número na loteria. Sem falta. Nem a gripe, nem os apagões, nem a inflação o dissuadiram. Às quartas-feiras e aos sábados, lá vai ele, bilhete na mão, fé intacta. Nunca ganhou. Nem mesmo um mísero reembolso.

No início, a família tentou dissuadi-lo. Falaram-lhe de probabilidades, de novos começos, até mesmo de terapia. Com o tempo, deixaram de insistir. Era como tentar convencer um carvalho a florescer.

Um dia, seu neto mais novo, que ainda conserva aquela mistura perigosa de curiosidade e lógica infantil, pergunta-lhe:

— Vovô, por que você continua apostando no mesmo número se nunca ganhou?

Ezequiel olha para ele com uma mistura de ternura e pena. Ele suspira. E responde com a serenidade de quem fez as pazes com o universo:

— Porque seria infinitamente pior se esse número saísse no dia em que eu parasse de apostar nele.

Desde então, o menino entendeu algo crucial: há coisas que não se fazem por esperança, nem por estatística. Fazem-se para não dar ao destino a satisfação de um “eu avisei”.

E assim, entre superstição e teimosia disfarçada de perseverança, Ezequiel continua apostando. Não para ganhar, mas para não perder de outra forma. Um pouco como todos nós fazemos ao longo de nossas vidas.

Alfredo Behrens Atril press
Alfredo Behrens alcançou o grau de Ph.D. pela Universidade de Cambridge. Ele ensinou Liderança nas melhores escolas de gestão e foi publicado ou premiado por Harvard, Princeton e Stanford. Alfredo tem quatro filhas e, com a sua mulher Luli Delgado, mora no Porto, Portugal, desde 2018. Alguns dos seus livros podem ser adquiridos através da Amazon.
alfredobehrens@gmail.com

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