Entre as sombras petrificadas de Pompeia, as histórias se congelam como as páginas de um livro que Ítalo Calvino nunca chegou a escrever. Sabemos, ou acreditamos saber, o que aconteceu naquele dia de 79 d.C., quando o Vesúvio decidiu reescrever a história com cinzas e fogo.
Os casais abraçados com seus pequenos, surpreendidos por uma nuvem ardente que os imortalizou em seu último gesto de amor, nos falam de uma quotidianidade interrompida. Como em “As Cidades Invisíveis”, cada canto de Pompeia conta uma história diferente, mas todas confluem nesse instante definitivo.
A narrativa romântica que construímos em torno dessas figuras – os amantes eternos, as famílias unidas até o fim – talvez seja nossa própria invenção, nossa tentativa de dar sentido à tragédia. Não é toda interpretação histórica uma forma de literatura? Talvez, como sugeriria Calvino, a verdadeira Pompeia não seja aquela que ficou sepultada sob as cinzas, mas a que reconstruímos em nossa imaginação, camada por camada, história após história.
Os corpos vazados em gesso são como personagens de um romance interrompido, congelados no meio de sua trama, esperando que alguém complete sua história. E nós, leitores dessas ruínas, continuamos tecendo narrativas românticas sobre seus últimos momentos, porque precisamos acreditar que mesmo no horror houve beleza, que o amor persistiu até o fim.
E, no entanto, há pouco vieram os cientistas com seus testes de DNA argumentando que aqueles casais e as crianças que abraçavam nem sequer eram parentes. Novamente chamo o Senhor Palomar de Calvino para nos lembrar que cada vida é uma sucessão de etapas e que a última pode mudar a interpretação de todas as anteriores.
E você, querido leitor, com qual final preferirias ficar?, ou inclusive partir?