Gente que Cuenta

Um segundo latido,
por Alfredo Behrens

Pierre Bonnard Atril press
Pierre Bonnard,
Dos perros jugueteando, 1910
Fuente: https://www.meisterdrucke.ie/

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        O parque havia se tornado novamente o reino de Policarpo. Três meses após sua cirurgia revolucionária, o cachorro de treze anos se movia com energia renovada, suas patas pisando com confiança sobre a grama onde uma vez havia desmoronado.

Foi durante seu passeio quando o nariz de Policarpo captou um aroma que fez suas orelhas se erguerem. Na curva da trilha, uma mistura de spaniel cor creme farejava intensamente a base de uma bananeira.

Policarpo se aproximou com a dignidade de um cavalheiro idoso. Seu coração, agora regulado pelo marca-passo sob seu pelo, mantinha seu ritmo confiável mesmo enquanto seu interesse aumentava. A cadela — Luna, segundo a etiqueta de sua coleira — se virou para ele com curiosidade.

Seu nome, Policarpo — que alude à abundância de frutos que uma árvore dá — parecia agora ironicamente apropriado, como se este cão veterano estivesse experimentando uma nova temporada de vida fértil graças à tecnologia implantada em seu peito.

Luna era mais jovem, com olhos brilhantes e um passo enérgico. Para seus sentidos, Policarpo apresentava um enigma. O local cirúrgico havia cicatrizado, mas o objeto estranho sob sua pele alterava seu cheiro natural de maneiras impercetíveis para os humanos, mas notáveis para o sensível nariz de outro cão.

Quando Policarpo a convidou para brincar, seus movimentos traziam a ligeira hesitação de um cão que lembrava da fraqueza. Os sutis sinais eletroquímicos de seu marca-passo criavam um leve campo eletromagnético — potencialmente percetível para outro animal em contato íntimo.

Luna pressionou sua orelha contra o peito dele, talvez percebendo a precisão antinatural de seu batimento — uma constância mecânica onde um coração natural variaria com a excitação. No entanto, essas diferenças não pareciam incomodá-la. Na realidade direta dos cães, ele era simplesmente ele mesmo: um macho mais velho com olhos gentis e um coração peculiar.

Enquanto o sol começava a se pôr, Policarpo trotava para casa com uma leveza em seu passo que não tinha nada a ver com a intervenção médica e tudo com a simples alegria de ser um cão entre cães mais uma vez.

Alfredo Behrens Atril press
Alfredo Behrens alcançou o grau de Ph.D. pela Universidade de Cambridge. Ele ensinou Liderança nas melhores escolas de gestão e foi publicado ou premiado por Harvard, Princeton e Stanford. Alfredo tem quatro filhas e, com a sua mulher Luli Delgado, mora no Porto, Portugal, desde 2018. Alguns dos seus livros podem ser adquiridos através da Amazon.
alfredobehrens@gmail.com

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