Gente que Cuenta

Até a última letra,
por Alfredo Behrens

Qian Huian 錢慧安 Atril press
Qian Hui’an 錢慧安 (1833 – 1911)
Hombre observando gansos
Fuente: https://harvardartmuseums.org/

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            A forma como escrevemos revela muito sobre nossa percepção do mundo. No Leste Asiático, sistemas de escrita baseados em caracteres persistiram por milênios, apesar das pressões de modernização. Esses escritos ideográficos—onde um único caractere pode representar um conceito inteiro—refletem os padrões de pensamento holístico documentados por psicólogos trans culturais como Richard Nisbett.

Quando um leitor chinês encontra o caractere 森 (floresta), vê três símbolos 木 (árvore) dispostos juntos—contexto e relação incorporados em uma única unidade visual. Isso reflete um estilo cognitivo que prioriza conexões entre elementos em vez de partes isoladas. O próprio caractere ensina que uma floresta não é meramente uma coleção de árvores, mas uma nova entidade emergindo de seu relacionamento.

A escrita chinesa tradicional flui verticalmente, com colunas progredindo da direita para a esquerda na página. Alguns estudiosos sugerem que essa orientação ecoa o movimento aparente do sol quando se olha para o norte—uma direção frequentemente preferida em regiões onde a exposição sul trazia luz e calor intensos. A direção da escrita, assim, inscreve padrões cósmicos no próprio fluxo do pensamento.

Os sistemas alfabéticos ocidentais adotaram uma abordagem drasticamente diferente. Decompondo a linguagem em seus menores componentes sonoros—sem significado isoladamente, mas poderosos em combinação—os alfabetos refletem uma mentalidade analítica que disseca conjuntos complexos em partes fundamentais. Com apenas um punhado de letras, gregos, romanos e seus descendentes culturais podiam construir qualquer palavra através de recombinação sistemática, muito semelhante aos blocos de construção modernos.

Esta “abordagem Lego” da escrita alinhou-se perfeitamente com a tradição intelectual ocidental desde Aristóteles: classificar, categorizar, analisar partes antes de sintetizar a compreensão. O fluxo da esquerda para a direita da maioria dos escritos ocidentais espelha a jornada do sol quando se olha para o sul, a orientação preferida em climas mais temperados, e que determinou até a orientação dad moradias.

Nenhuma abordagem é inerentemente superior. Cada sistema de escrita evoluiu para servir aos padrões cognitivos, necessidades linguísticas e condições ambientais de sua cultura. O que emerge é uma revelação profunda: nossas ferramentas mais básicas para registrar o pensamento não são meramente invenções práticas, mas expressões de como fundamentalmente damos sentido ao mundo—codificadas em cada traço, cada letra, cada linha que escrevemos.

Alfredo Behrens Atril press
Alfredo Behrens alcançou o grau de Ph.D. pela Universidade de Cambridge. Ele ensinou Liderança nas melhores escolas de gestão e foi publicado ou premiado por Harvard, Princeton e Stanford. Alfredo tem quatro filhas e, com a sua mulher Luli Delgado, mora no Porto, Portugal, desde 2018. Alguns dos seus livros podem ser adquiridos através da Amazon.
alfredobehrens@gmail.com

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