Gente que Cuenta

Café da manhã de hotel, por Alfredo Behrens

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Edouard Vuillard,
Desayuno en Villerville, 1910

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      Há algo de muito caseiro em qualquer hotel pequeno. Mas num hotel pequeno numa cidade grande como São Paulo, e isso pode ser maravilhoso. As conversas que se podem ter durante o pequeno-almoço podem ajudá-lo a perdoar o ar-condicionado barulhento, o mofo, e até defeituosa torneira de água quente. O ambiente familiar é evidente durante o pequeno-almoço, servido numa sala pequena e pouco iluminada. A proximidade das mesas, o cheiro a fruta fresca e os pães de queijo.  Cada uma destas iguarias pode não ser digna de registo, mas o conjunto é, e é por isso que vos conto.  Estava a adorar o pequeno-almoço quando me apercebi que os acontecimentos se desenrolariam como numa peça de teatro. Também a tomar o pequeno-almoço estava um jovem polícia em uniforme completo. Perguntei-lhe se era de outra cidade e se tinha dormido no hotel. E ele respondeu: “Não, não, o meu colega e eu estamos apenas a fazer a ronda no bairro. O dono do hotel tem a gentileza de oferecer este pequeno-almoço de cortesia. Por isso, o meu parceiro fica de guarda à porta com o carro-patrulha ao ralento, enquanto eu tomo o pequeno-almoço, e depois é a vez dele. Não é simpático da parte dele?” Eu digo-lhe Sim, sim; e ele complementa que ele e o seu colega também retribuem:  informamos os hóspedes e o pessoal do hotel sobre como se protegerem, por isso é uma troca simpática. Como que instigada pela referência à proteção, a arredondada empregada de limpeza, entra na conversa: Tenho medo! Todos os dias, tenho medo. Tenho medo de esperar pelo ônibus no escuro! O jovem polícia entrou no seu espírito de defesa civil e sugeriu-lhe que se juntasse a outros passageiros para esperar pelo autocarro, porque as pessoas solitárias são um alvo mais fácil. Com um olhar maternal, a senhora da limpeza explicou que as pessoas precisam de apanhar autocarros para lugares diferentes a horas diferentes. A vida é demasiado dura, Sr. Polícia, e eu detesto-a”, e retomou a limpeza do chão, depois de apontar para mim e dizer: Ele tem sorte, foi-se embora para o Porto!

Foi então que um jovem entrou para tomar o seu café e, tendo ouvido o Porto, entrou: Adorei! Fiz lá o meu doutoramento em Linguística Aplicada! Todos os rostos se viraram para ele quando eu disse: Que bom para ti! E perguntei-lhe como estava agora a aplicar todos aqueles conhecimentos. Descobriu-se que ganhava a vida a customizar aplicações para o sector financeiro e terminou dizendo que a língua era tudo, sobretudo nas vendas. A senhora da mesa mais próxima de mim parecia concordar, por isso perguntei-lhe em que é que ela estava metida: Vendas, disse ela. E o que é que vende? Tudo, exceto roupa! Eu era professora. Mas não aguentei mais e abri a minha própria loja. Sentia que estávamos todos felizes por ela, porque ela parecia feliz. Foi então que o polícia pediu licença para se ir embora, pois vi o seu colega entrar para tomar o pequeno-almoço.

Em breve, cada um de nós seguiria o seu caminho, mas durante aquele pequeno-almoço partilhámos vislumbres das nossas vidas.

Seguir-se-ia um novo dia que, sem dúvida, agitaria o caleidoscópio, fazendo rearrumando as personas para criar uma peça de teatro algo diferente.

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Alfredo Behrens é doutor pela Universidade de Cambridge, leciona estratégia e assuntos interculturais para a escola de negócios FIA em São Paulo y para Harvard Business Education.
Alguns de seus livros podem ser adquiridos na Amazon.
ab@alfredobehrens.com

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