
La Leocadia (1819-1823)
detalle
Ultrapassar a barreira linguística é uma tarefa titânica. Mais ainda quando se está numa posição de inferioridade, como a de um jovem aluno perante um professor.
Um amigo meu conta-me que, numa escola de padres irlandeses, num país onde se fala espanhol, mas cujo nome não quero recordar, o padre dava aulas em inglês sobre o Génesis. Era tanto de Eva aqui e Adão ali que um aluno um pouco irritado, com apenas doze anos, levantou a mão agitadamente e, para chamar a atenção do padre, disse em voz alta e com forte sotaque espanhol: “Fader, Fader”, ao que o padre, mais irritado do que curioso, respondeu com uma sibilante “Yesss?
O estudante, convencido de que iria contribuir com algo de peso científico, continuou com um sotaque tão espanhol que soou como:
“Mai fader seis wi com from ze monkis!”
Foi o fim da linha. Como se se libertassem da tensão do aborrecimento autoritário, toda a turma se pôs a rir, ao que o sacerdote, como se estivesse a enfrentar o próprio Satanás, calou imperiosamente a impertinência do aluno, dizendo
“Cala-te! Não estamos aqui para discutir a tua ascendência!”.
Foi o suficiente para que todos se calassem e para que o jovem demorasse mais de uma década a falar em público e, mesmo assim, gaguejando.
Anos mais tarde, quando os seus antigos colegas lhe recordaram o episódio, ele respondeu citando à desonrada Leocádia: “Repare que nunca vi a sua cara, nem a quero ver; porque, já que me lembram a minha ofensa, não quero lembrar-me do meu ofensor, nem conservar na minha memória a imagem do autor da minha falta”.
E assim se foi construindo a cultura da dependência colonial.

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