Por irrevogável decisão do Supremo Tribunal do Interesse Anónimo e Coletivo, fui condenado a vinte anos renováveis de mediocridade ativa e desterrado para uma pequena povoação onde a população, eternamente reconhecida a quem se pode agradecer pela apatia que o destino nos oferece, me olhava de lado, para poder torcer o nariz, e sorria como quem não gosta de sorrir. Com sorte e paciência acabei por encontrar outros que a seu tempo o mesmo tribunal, também por irrevogável decisão, não hesitara em condenar por terem ousado questionar os fundamentos do nosso bem-estar anónimo e coletivo. Alguns, com o tempo, já esquecido o motivo da sua condenação e renunciado ao que um dia julgaram poder vir a ser, olhavam-me com simpatia, disfarçando a pequena chama de uma vela que na opacidade do seu olhar teimava em luzir. Generosos, aconselhavam-me a conformar-me com a conformidade que cedo ou tarde espera por nós, tão certo como a lua espera pela noite para poder brilhar. Um deles, porém, borboleta de asas queimadas, vendo que ninguém nos ouvia fixou-me e quase em silêncio murmurou uma simples frase que me deixou sem resposta: “De que serve uma alma grande se a vida é pequena?”
À Luli Delgado