O Ferreira avançou o bispo e eu decidido recuei o cavalo. Moveu a torre. Protegi o rei e a rainha. O xadrez é realmente um jogo interessante, sobretudo para quem nada entende como eu e o Ferreira, mas como estamos desempregados, sempre à espera que o centro de emprego nos arranje mais uma inútil formação ou um emprego de dois ou três dias no serviço de manutenção de qualquer hipermercado, passamos a tarde a fumar, queimando a ponta dos dedos e as unhas, diante de um tabuleiro, tentando perceber como é que há gente capaz de passar horas e horas a mover figuras de plástico em todas as direções.
O Ferreira sou eu e confesso que tenho inveja daquelas pessoas que se contentam em deslizar o dedo pelo smartphone e em qualquer situação estendem o braço com o aparelho na mão e ficam depois a sorrir, como se ele fosse o namorado ou a vizinha do terceiro andar. Também gostava de me levantar e esquecer que todos os dias o espelho insiste em mostrar-me caras que não conheço e por vezes até me assustam. Como não gosto das caras que o smartphone e o espelho me mostram enchi-me de coragem e decidi economizar para comprar outro, a prestações, da última geração e um espelho que não me contrarie e obedeça à minha vontade, seja qual for a hora que eu decida ver-me nele.