Gente que Cuenta

Tempos de algodão, por Luli Delgado

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Henri Le Fauconnier,
La pequeña colegiala, 1907

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Branca como um lírio e cheirando a novo, a trouxemos da loja de uniformes para combinar com os sapatos pretos, que, também novinhos, aguardavam o primeiro dia de aula. Ambos eram um tamanho maior do que o necessário, mas com o caros que sãoo e a rapidez com que você está crescendo, duram mais assim.

Depois das férias, veio mais um ano de escola. Passaram-se a primeira, a segunda e a terceira semanas, e uma tarde ela voltou com um líquido roxo manchando a camiseta, que se ele deixou o uniforme assim, calcule o que deve ter feito no seu estômago.

Cloroterapia intensiva e imersão, antes da prática de esfregar e lavar e bem, você pode continuar colocando. Ele mal tinha uma memória rosa muito pálida, mas isso nem é perceptível.

As aulas daquele ano acabaram e no meio do ano seguinte a coitada não aguentou mais, então foi parar no final da categoria gaveta, para casos de emergência.

Mais um ano e não a menina precisou mais de uniforme, porque nos últimos dois anos eles podem usar a roupa que quiserem. A camiseta virou pijama…

A formatura veio. Interminável, emocionante. Longe ficaram os dias de levantar cedo, perguntar a que horas pego você, quando você tem que entregar o dever de casa e, como você me diz às dez horas da noite de domingo que amanhã precisas levar um metro de feltro verde?

Entretanto, a camiseta conseguiu sobreviver até que um dia, a faxineira que vem duas vezes por semana, sem perguntar, reduziu-a àqueles farrapos que tanto ajudam na limpeza.

Minha filha foi morar em outro lugar. Ele não bebe mais coisas roxas ou me pede para rezar e cantar para ela antes de dormir. Agora é diferente. Conto-lhe sobre a casa, comoos cachorros, que a vizinha está construindo um terraço para ela, que cortaram a árvore da praça e que as cabeleireiros sempre mandam lembranças.

Sinto sua falta em cada pedacinho da minha vida, mas sinto também que ela é tão dona de seu próprio espaço, que seria injusto de minha parte querer ela de volta ao mundo para o qual eu a trouxe.

As festas de final de ano estão chegando e ela anuncia que vem visitar. Assim que terminamos de conversar, começo a rever as mil coisas que tenho que arrumar para que ache sua casa linda, como ela.

Lavo o edredom do seu quarto para que fique cheiroso, repasso detalhes, planto novas flores. E quem encontro na ânsia de que a bandeja, o açucareiro e o porta-retratos fiquem brilhantes? Nada menos que os restos da camiseta, que, branca como um lírio, um dia antes de começar a escola trouxemos da loja de uniformes.

Ser mãe não tem igual…

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Luli Delgado es periodista venezolana, Master en Artes de Cine y  Video – por The American University, Washington, DC.
Fue Directora Ejecutiva de la Fundación Andrés Mata de El Universal de Caracas, y Gerente del Centro de Documentación de TV Cultura de São Paulo. Es autora de varios libros y crónicas.
delgado.luli@gmail.com

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