Gente que Cuenta

Ausentes embora presentes, por Alfredo Behrens

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Mesmo hoje, muitas pessoas têm de sair da casa para ir ao local de trabalho. Este, em princípio, seria um lugar para sofrer. No final das contas, trabalhar deriva de tripalium, um instrumento com três paus usado em tempos remotos para tortura. Ou seja, as pessoas ainda hoje sentiriam que saem de casa para serem torturadas no trabalho. Vai ver que nem tanto, e nem todas, mas trabalho passou a representar algo a ser evitado.

E na casa? Vai ver que nela muitos sofrem de outro tipo de tripalium. Por isso a transição da casa ao trabalho seria um momento de liberação. De facto, alguns antropólogos foram surpreendidos pelos seus entrevistados ao eles se referirem positivamente ao esse tempo gasto entre a casa e o trabalho. Esse tempo seria, para os entrevistados, um tempo deles.

E como viveriam esse seu tempo livre os passageiros em transito no transporte publico? Decidi conjeturar sobre o significado viver desse tempo, apenas com base numas dúzias de fotografias que deles tirei durante trajetos no metro. Tirei fotos de passageiros desacompanhados e que não estivessem ocupados com seus telemóveis, isto é, passageiros sós, capazes mesmo de disfrutarem do seu intervalo entre torturas.

Não percebo expressão de júbilo nas fotografias, mas também não são expressões sombrias. Antes, diria que as expressões, de olhar perdido, refletiriam um estado de maior introspeção, um olhar para dentro. Como se os passageiros desligassem o seu modus operandi entre paragens. No ínterim elas simplesmente estão. Algumas em pé, outras sentadas, mas aí estão apenas de corpo presente. Suas mentes parecem viajar para outros lugares. Tal vez seja mesmo um tempo deles, durante o qual matutam sobre alternativas, sobre os filhos, os amores, as férias que foram caras e insuficientes, enquanto não chegam à paragem de destino.

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Alfredo Behrens  é doutor pela Universidade de Cambridge, leciona Liderança para as escolas de negócios da FIA em São Paulo.
Alguns de seus livros podem ser adquiridos na Amazon.
ab@alfredobehrens.com

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