Gente que Cuenta

Estavas bem na foto, por Fernando Carmino Marques

Dimitris Mytaras Atril press
Dimitris Mytaras,
Mujer frente a su imagen, s/f

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      Estavas bem na fotografia, dizias. Ao longe, um fumo de nuvem voou e tu sorrias para a vida como um peixe através de um recipiente de vidro baço, sonhando diluir-se em algum recanto do mar. Onde era não sei, quando foi pouco importa. Estavas bem na fotografia, dizias. E nem a palidez das cores nem a indesejada réstia de sol que nesse preciso momento te obrigou a franzir os olhos conseguiam desviar a atenção do ponto fulcral, a pequena luz do teu sorriso.  O cabelo solto dava-te um ar rebelde, dizias, serpenteando melodias entre as palavras, imaginando a rebeldia que nunca ousaste, talvez por receares confrontar os sonhos, esses rebeldes predadores, e junto dos conformados que felizes espreitam a luz baça dos dias, como se ela fosse o único reflexo dourado, agradecem a dádiva que Saturno nos concede. Estavas bem na fotografia, dizias com um nó górdio na garganta, reconhecendo que nunca serás o que julgaste poder vir a ser.  E, no entanto, na palidez das cores e quase imperceptível a pequena luz do teu sorriso ainda sorria.

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Fernando Carmino Marques é doutor em letras pela Universidade de Paris IV – Sorbonne. Publicou vários estudos sobre temas e autores portugueses e brasileiros, dos séculos XVI, XIX e XX. Traduziu e editou o estudo inédito de Pierre Hourcade sobre a poesia de Fernando Pessoa, A Mais Incerta das Certezas, Itinerário Poético de Fernando Pessoa (Coleção “Ensaios” sobre Fernando Pessoa, Tinta-da-china, Lisboa, 2016). Como ficcionista publicou Sobre outra coisa ainda (13 short stories) 2019 e Neste sonho que sou de mim, contos, 2021.
carmino@ipg.pt

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