Em Como se de outro ela fosse, título do livro que recentemente publiquei, imagino uma série de situações em que as personagens vivem com a sensação que a sua existência lhes escapa, como alguém que entra num comboio rápido, sem paragens, para um destino que não é o seu. E como a indesejada viagem se prolonga pela vida fora, as personagens veem a sua existência através da janela de uma carruagem de segunda classe, sempre com a estranha sensação de viajarem clandestinamente. Algumas dessas personagens tentam, por vezes, derrubar os muros em que a sua visão do mundo os encarcera e quando abrem os olhos para o exterior, esse movimento contínuo feito de Homens, coisas, sociedade, leis, hipocrisia, encontros e desencontros, sentem-se perdidos. O que veem é que a sua vida é como se de outro ela fosse e o que de melhor podem fazer é perderem-se nessa ilha ao dispor de todos os ventos chamada eu.
Fernando Carmino Marques é doutor em letras pela Universidade de Paris IV – Sorbonne. Publicou vários estudos sobre temas e autores portugueses e brasileiros, dos séculos XVI, XIX e XX. Traduziu e editou o estudo inédito de Pierre Hourcade sobre a poesia de Fernando Pessoa, A Mais Incerta das Certezas, Itinerário Poético de Fernando Pessoa (Coleção “Ensaios” sobre Fernando Pessoa, Tinta-da-china, Lisboa, 2016). Como ficcionista publicou Sobre outra coisa ainda (13 short stories) 2019 e Neste sonho que sou de mim, contos, 2021. carmino@ipg.pt