Gente que Cuenta

Batatas fritas, Bach e Noguchi – Alfredo Behrens

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Aguas de Virginia
J.M.W. Turner
c.1829

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Tem quem gosta de frango e batata frita. Também há quem goste de ouvir composições de Beethoven e até de Mozart e Bach. O engraçado é que houve um século entre Bach e Beethoven. No entanto, acho que somos mais seletivos em nossas preferências por pintores. Quando gostamos de um estilo de artes visuais, não gostamos tanto de estilos que têm mais de um século.

Deixe-me explicar, Beethoven nasceu em 1770, o pintor inglês Turner em 1775. Podemos imaginar quem goste dos dois, ouvir Beethoven e olhar as pinturas de Turner, o precursor do impressionismo.

Mas J.S. Bach nasceu em 1685 e seria difícil encontrar alguém que aprecie ouvir Bach e admirar seus contemporâneos da pintura, como Jean Baptiste Oudry.

Também podemos imaginar que alguém goste de ouvir Shostakovich e goste menos dos impressionistas, preferindo apreciar a arte de seus contemporâneos Alberto Giacometti ou mesmo a de Willem de Kooning.

Hoje Philip Glass está entre os melhores compositores do século 20, e podemos imaginar que quem gosta de ouvir Glass também gostará de apreciar a arte de Isamu Noguchi. Mas não vejo apreciadores de Philip Glass indo a uma exposição que mostre a pintura majestosa de Delacroix, “A Liberdade guiando o povo”, pintada um século antes de Philip Glass nascer.

Ou seja, temos uma maior amplitude na nossa preferência pelos estilos musicais do que pelas artes visuais. O poeta Auden sugeriu que isso ocorre porque o ouvido busca a semelhança, enquanto o olho busca a incongruência. Quem sabe, seja algo evolutivo, herdado da época em que dependíamos de ver algo se mexer para decidir se fugir ou atacar.

Mas o fato é que, em resposta aos nossos gostos, as salas de concerto e as emissoras de rádio ditas eruditas, nos oferecem muito mais compositores com dois ou até três séculos, do que nos oferecem outros compositores mais modernos, pelo menos nos horários nobres. Algo diferente parece estar acontecendo com os museus.

Vou embora, me espera um frango com batata frita que, embora humilde, não perde a validade.

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Alfredo Behrens é doutor pela Universidade de Cambridge, leciona Liderança para as escolas de negócios da FIA em São Paulo e IME em Salamanca, e é Presidente do Conselho Estratégico da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, onde reside.
Alguns de seus livros podem ser adquiridos na Amazon.
ab@alfredobehrens.com

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