Gente que Cuenta

“Brincar com lama…”, por Roberto Managau

pelota de trapo
No beisebol o equivalente á bola de trapo é uma tampinha de refrigerante e um cabo de vassoura…

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Dizem que todo bebê vem ao mundo com um pão debaixo do braço. Bem, no Uruguai, os bebês nascem com uma bola debaixo do braço… talvez hoje com um celular!

Não sou do tempo de brincar com uma bola de trapos na rua quando criança, mas a conheci, porque algumas vezes na ausência de uma legítima que cumprisse sua função como tal, alguma avó bem-intencionada a confeccionava com retalhos de pano em desuso e meias velhas furadas, um certo pecado porque aquelas meias furadas eram costuradas e ficavam “novas” para ir à escola ou visitar os tios no fim de semana.

Não era fácil dar-lhe uma forma redonda, mas elas conseguiam, pelo menos de início. Depois de pronta, coitada, não quicava, rolava mais ou menos, ficando em minutos, achatada como uma torta!

As coisas melhoravam um pouco quando alguém aparecia com uma desgastada Nº5 de couro (o tamanho “oficial”),  que geralmente esvaziava porque a câmara interna perdia ar. Sem contar quando chovia, porque aquela bola molhada triplicava seu peso e chutá-la era como fazê-lo num paralelepípedo.

O auge da felicidade era a bola de borracha, essa sim, porque quicava, não se deformava e podia ser dominada e chutada com tanta força…. que às vezes quebrávamos o vidro de uma janela.

O alvoroço estava armado e o menino mais velho tinha que enfrentar de cabeça baixa e as mãos atrás das costas, a ladainha da vítima, a dona da casa, enquanto os outros jogadores se escondiam, acusando uns aos outros: “não fui eu , foi você!” … “mas ela bateu em você depois!” disse o outro. E assim, como nunca havia consenso entre os jurados, algum “juiz” promovia uma vaquinha para substituir o vidro, entre os pais dos culpados.

Já adultos e morando em São Paulo, tínhamos um clube de uruguaios que sobrevivia graças ao futebol de fim de semana (como tais, costumávamos dizer “futebol” e não mais “jogar bola”), campos de verdade, com juiz e tudo. Às vezes, aparecia um novo integrante no grupo, vestido de forma esquisita para o rude esporte bretão: shorts de banho, meias soquete e tênis de pano branco… Havia um ex-jogador de futebol profissional (sempre havia um), que olhava para ele e definia em voz baixa: “parece-me que este nunca brincou com lama…”. Nunca esqueço aquele epitafio.

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Roberto Managau uruguaio, reside em São Paulo desde 1982.
Dirige um espaço de arte uruguaia e é apaixonado por futebol,  guerras mundiais e outras curiosidades da história.
rj.managau@gmail.com

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