Luli me avisou: as pessoas estão cansadas de política, assim que melhor escreve sobre outras coisas.
Com essa orientação clara retomei minhas antigas anotações sobre a culinária latino-americana e caribenha que escrevi muitos anos atrás em inglês! durante um sabático da Florida International University, na esperança secreta de vender um livro sobre o assunto para alguma editora, porque na época descobri que quase não tinha edições no mercado norte-americano.
As obrigações acadêmicas daquele ano sabático na FIU frustraram minha intenção de ficar rico vendendo livros de receitas “étnicos”! Volto então aos meus manuscritos amarelados e irei todas as semanas com uma receita daqueles que pacientemente elaborei com os ingredientes que foram obtidos nos supermercados Publix (o que obviamente reduziu o leque de insumos que se podem obter no resto da América Latina -Continente caribenho). Na realidade, o objetivo é também participar de um debate que nestes dias conquistou as redes sociais na Argentina, país em que o presidente, sem falar daqueles que o disseram bem antes, como Jorge Luis Borges ou Octavio Paz, lhe ocorreu dizer que “os argentinos desceram dos navios”. Isso gerou a indignação de um grande número de “nativos” com sobrenomes nativos como Silverman, Appichiaffoco e até Macri. Estas receitas culinárias pretendem ser uma janela para o nosso multiculturalismo que se expressa na maravilhosa cozinha latino-americana e caribenha, onde a nossa mestizagem se revela numa maravilhosa sinfonia de sabores que permitiu a Rómulo Betancourt cunhar um belo adjetivo para a Hallaca venezuelana: “ multisápida”. Mas além das sábias classificações dos nossos povos, que Darcy Ribeiro fez no seu monumental “As Américas e a Civilização“, pretendemos compreender a nossa história e as nossas origens no quotidiano do nosso povo, e na sua alimentação. É por isso que seja uma provocação começar pelo GASPACHO, herdado da minha avó Isabel, andaluza de Casariche, mas que é uma sopa fria que se integrou em muitos dos nossos climas quentes enriquecida com ingredientes locais com!binam tão bem! Nada mais longe de uma “receita”! GASPACHO é feito com vegetais crus que temos na geladeira de casa com o auxílio de um “liquidificador”, “processador” ou “espremedor”, dependendo de onde estiverem em nossa geografia: para muitos é imprescindível que tenha pepino, outros destacam o alho. Sempre aconselho os venezuelanos a acrescentarem um ingrediente que não é fácil de encontrar em todos os lugares: a maravilhosa pimenta doce, e se for um dos grandes margaritenhos, melhor ainda! Os vegetais devem ser muito bem lavados e há mesmo quem recomende passar o pimentão, o tomate, a cebola, o aipo em água a ferver tão rapidamente para que percam o seu carácter cru e as propriedades vitamínicas. As variantes latino-americanas-caribenhas permitem adicionar frutas da estação (moderadamente), mas sem exagerar para que não fiquem muito doces. Antes de misturar tem que adicionar o vinagre (se for vinho muito melhor, mas pode ser maçã ou neutro), o azeite (fiz com óleo de grainha de uva com um sabor muito agradável mas pode usar o óleo que tiver na despensa, pão (que pode ser migalhas ou tostas), sal (basta uma pitada para não cobrir os sabores vegetais), pimenta e talvez coentro ou as suas pequenas sementes (também em pequenas quantidades). Podemos usar água (previamente fervida mas fria) e não se pode se descartar para os não vegetarianos ou veganos, usar caldo de galinha pouco concentrado. E bata tudo, coloque em cubos de gelo (logo antes de servir para que o GASPACHO não derretae), e em cima da mistura perfumada pode colocar salsa ou coentro, raspas de laranja fina ou de limão (sem a parte branca das cascas porque são amargos), um toque adicional de pimenta e voila! Bom proveito! O “emparelhamento” também é heterodoxo ou “heterojo” como se costuma dizer no Chile, mas sem dúvida combina muito bem um vinho branco muito frio e, se estiver muito quente, também pode ser uma cerveja gelada.
Francisco iturriaspe
Advogado argentino / venezuelano, pesquisador e professor da Universidade Central da Venezuela e da Universidade Nacional de Rosário. Fez docência, pesquisa e estadias de pós-doutorado como professor visitante em Universidades dos Estados Unidos, México, Peru, Espanha, França, Itália, Chile, Bolívia, Uruguai e Porto Rico. f
francisco.jose.iturraspe@gmail.com