Gente que Cuenta

Por uma cabeça,
por Alfredo Behrens

Wassily Kandinsky Atril press
Wassily Kandinsky,
El jinete, 1911

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      Após uma longa ausência retornei à cidade. As ruas eram as mesmas, a poluição visual era maior. Por toda a parte havia fios eletricidade, internet dependurados de postes nas esquinas. Havia inclusive fios de telefone que sobraram de outra época. Como que agarrado da última tabua que sobrou do naufrágio, me lancei dentro do meu bar preferido. Estava tudo mais raído, mas os atendentes pareciam os mesmos, embora mais velhos e mais gordos, todos. Ao me aproximar do mostrador para pedir minha cerveja favorita deparei-me com o olhar vazio do garçon que me atendeu por mais de um lustro. Nunca tinha sido muito criativo nas suas piadas, mas tal vez agora apenas quisesse me ignorar praticando algum jogo recentemente aprendido. Entrei na dele e pedi a cerveja que anos antes nem teria precisado chamar pelo nome. Chegou estupidamente gelada. Pelo menos isso não tinha mudado. Sorri, ele não, mas pedi as batatas soufflé que antes nem precisaria ter pedido. Chegaram como a cerveja, também geladas. Aí comecei a duvidar de que estivesse mesmo no lugar de antes. Perguntei pelo Egberto, que gerenciava o lugar. Quem? Disse o garçom sem pestanejar. Sua expressão era mesmo fria, como a cerveja e as batatas. Comecei a me espantar, temendo que isso pegasse. Por um momento pensei em sair correndo, mas foi quando começou a tocar o tango Por uma cabeça, e não quis perder a minha.

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Alfredo Behrens é doutor pela Universidade de Cambridge, leciona estratégia e assuntos interculturais para a escola de negócios FIA em São Paulo y para Harvard Business Education.
Alguns de seus livros podem ser adquiridos na Amazon.
ab@alfredobehrens.com


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