A minha mulher contou-me o caso desta velhinha que, apesar de ser normalmente parcimoniosa, ao encontrar na rua uma amiga que não via há algum tempo, disse-lhe: Margarita!! Você está viva! Achei que você tinha morrido!
Bem, coisas velhas, você dirá. O córtex frontal do cérebro, responsável controle dos impulsos, é o último a se formar e o primeiro a se decompor. Talvez por isso os velhos digam coisas de crianças. Seja como for, imagine a sensação da Margarita!
Mas não acontece apenas com os velhos.
Eu estava no Rio de Janeiro, já aceito para o doutorado em Cambridge e havendo desfrutado dos diversos “bota foras” oferecidos pelos meus amigos. Mas, aconteceu que não poderia deixar o país sem a assinatura do ministro responsável pelo meu emprego na época. O ministro demorou demais, tanto que quando meus amigos ainda me viam na rua, invariavelmente exclamavam: Mas pensei que você já tinha ido embora!
É diferente de ouvir, como Margarita ouviu, que você já deveria estar em outro mundo, mas não era tão diferente. Ao interpretar a surpresa dos meus amigos me sentia deslocado, e que talvez para não dececioná-los devesse me esconder até que o ministro assinasse.
Um dia o ministro assinou e logo depois eu parti; e o fiz de fininho, como disse Jorge Manrique em seu primeiro dístico.
Voltando de Cambridge, não sei por que, fui visitar o cemitério dos ingleses no Rio de Janeiro. Como restavam poucos ingleses na cidade, o lugar estava meio abandonado. Mas me chamou a atenção um epitáfio que dizia: Aqui jaz fulano, que gostava tanto do Rio que não quis ir embora…