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Ricardo Martins

Tédio – Ricardo Martins
24c, Ricardo Martins

Tédio – Ricardo Martins

leer en español Sento à frente da TV. Num desses canais de streaming,  procurando algo que me atraia e  distraia. Um seriado? Um filme? E procuro....  procuro ... Abro um filme. Assisto e me desinteresso, antes de chegar ao seu final. Abro um seriado ...  dois ou três episódios depois ... e o desinteresse aparece, com a amarga certeza de ter perdido meu tempo. Procuro outro .... E mais outro ... E assim, numa sucessão irritante, nada me chama a atenção. E começo a me preocupar. O que está se passando? Algum sintoma de déficit de atenção? Alzheimer não tão precoce? Ou uma forte sensação de déjà vú? Devo me preocupar com o que sinto? Ou com o que me apresentam ? Ou ambos? Estamos nos acostumando a assistir a algo que proporciona um certo conforto no enredo,  onde já s...
A solidão é uma arma quente – Ricardo Martins
22c, Ricardo Martins

A solidão é uma arma quente – Ricardo Martins

leer en español Ao mergulhar em algumas pinturas de Edward Hopper, garrei-me a pensar na solidão.  Ao ver pessoas solitárias sob a luz do sol, senti o quanto a solidão pode ser - parodiando o título de uma música dos Beatles - uma arma quente. Ela não tem de ter fria, distante ou angustiante. Gosto da solidão. Gosto de poder, em alguns instantes de minha vida, rejeitar a presença  ser humano. De deixar de ser um indivíduo  social. De ter a doce ilusão de não pertencer a um rebanho. Aprecio os momentos da solidão em que sinto minha dor sozinho. Que encaro meus tormentos e minhas alegrias. Meus fracassos. Meus prazeres. Aprecio ouvir a ausência de uma voz. De não ter de me justificar. A solidão me permite ouvir o ruído de meu corpo. O silêncio do meu cérebro. O ruído do mundo A...
Gal, por Ricardo Martins
74c, Ricardo Martins

Gal, por Ricardo Martins

leer en español Gal Costa povoou minha adolescência. Confesso que não foi tanto pelo estilo de música. Eu estava começando a descobrir o rock. Beatles, Led Zeppelin, Alice Cooper... Minha mãe vivia com um velho rádio à válvula ligado o dia inteiro em casa. E as músicas cantadas por ela gritavam nos meus ouvidos.  Anos 1970.  E ainda assistia suas apresentações em shows transmitidos pela TV. Em preto e branco. Gal gritava suas canções com aquelas vozes agudas. Ou as sussurrava quando sua voz se tornava macia.  Aquele bocão.  Aquele cabelão.  Aquele sorriso enorme ... O sorriso de Gal. Aquela sensualidade agressivamente libertária. Povoou minha adolescência. A despeito do rock. Penso que a minha história, em parte, está começando a desmoronar.  As referências estão indo...
Mi padre, por Ricardo Martins
Ricardo Martins

Mi padre, por Ricardo Martins

ler em português Llevaba su ropa de diario cuando lo vi por última vez, cuando su cuerpo bajaba por el ascensor para ser incinerado.Camisa y pantalón sencillos. Generalmente tergal. Cosa muy popular.... No recuerdo haber visto a mi padre comprar un traje.Recuerdo cuando le regalamos calcetines... pañuelos. Mi madre, conmigo de repartidor, siempre le regalaba calcetines o pañuelos.Debía también comprar camisas y pantalones.Mi padre tenía su vanidad. Con orgullo me dijo que cuando era joven se hizo las uñas en la barbería. Cada mes. Al principio, hice el habitual comentario sexista... no se inmutó. Era la moda.Siempre vestía traje y corbata. Tengo una foto de él con mi madre. En 1957 y 1958. Tomada por un fotógrafo anónimo, en Viaduto do Chá, en São Paulo. Ella, molesta por el fotógrafo opor...
Pesar ou não pesar?, por Ricardo Martins
41a, Ricardo Martins

Pesar ou não pesar?, por Ricardo Martins

leer en españolAcordei tarde. Sol batendo na janela, abafando o quarto. Estômago ardendo. Corpo pesado. Bem pesado. Eu não devia ter negociado aquela porção. Acho que exagerei um pouco.Olha para a porta do banheiro. Como se estivesse a quilômetros de distância. Força uma perna para fora da cama. Depois, um pouco depois, a outra perna.Nisso o telefone toca. Após um resto de esforço,  senta-se na cama e o atende.O sujeito quer depositar um quilo e meio. Um quilo e meio! Ele pensa que sou um barril !? Não dá.  No máximo 950 gramas. Ele insiste. Tem de ir a uma festa e para a roupa que vai usar, tem de abrir mão de um quilo e meio.Não posso. Estou no limite. Ele abaixa paraum quilo e duzentas gramas. Respondo com um quilo. Ele tenta um quilo e cem. Fechado.Acertamos os detalhes do procedimento...
O balde, o rodo, o divórcio – Ricardo Martins
33b, Ricardo Martins

O balde, o rodo, o divórcio – Ricardo Martins

leer en españolEstava ajoelhado próximo ao balde. Num esforço para torcer o pano de chão.  Não queria nem muito encharcado nem muito seco.Havia uma ciência nisso.Em tudo há uma certa ciência.  A tal ciência que dá um verniz de valorização às tarefas cotidianas, comezinhas. Às tarefas automáticas. Que se realizam por meio de meia dúzia de sinapses. Sem que se perceba seu início, tampouco seu término.Instalei o pano balanceadamente molhado-não-encharcado no rodo. Mas vou pular a explicação científica desse ato. Pouparei-te, caro leitor.Ao me preparar para dar o primeiro impulso do rodo com o pano acoplado em sua ponta sobre o piso, ela se coloca à minha frente e declara:- Quero o divórcio.Assim,  sem ponto de exclamação. Como se pedisse para cortar 350 gramas de queijo numa padaria, enquanto...
Meu pai, por Ricardo Martins
47a, Ricardo Martins

Meu pai, por Ricardo Martins

Leer en españolUsava a roupa do dia a dia quando o vi pela última vez, quando seu corpo foi descendo pelo elevador, para ser incinerado.Camisa simples e calça.  Geralmente de tergal. Coisa bem popular .... não me lembro de ter visto meu pai comprar uma roupa. Lembro de quando ganhava meias ... lenços.  Minha mãe,  tendo eu como entregador, sempre dava meia ou lenço para ele.Devia também comprar as camisas e calças.Meu pai tinha sua vaidade.  Me contava, orgulhoso, que quando jovem fazia as unhas no barbeiro. Todo mês. De início, fiz o costumeiro comentário machista ... ele pouco se abalou. Era moda.Sempre andava de terno e gravata. Tenho uma foto dele com minha mãe. Em 1957 e 1958. Clicados por algum fotógrafo anônimo,  no Viaduto do Chá,  em São Paulo. Ela, contrariada pelo fotógrafo opor...
O feijão e Deus – Ricardo Martins
35b, Ricardo Martins

O feijão e Deus – Ricardo Martins

leer en españolReunião de família. Almoço.  Mesa retangular com seus participantes. Tios, tias, irmão, irmãs. Filhos. Filhas. Sobrinhos.Sentados eretos, aguardando que ele inicie a refeição.  O tio mais velho. O mais severo. O dono da casa. Meu tio.Tinha um olhar severamente conciliador.  Sentado na ponta da mesa, peito estufado, orgulhoso, corte de cabelo autoritário, aguardando sua esposa, minha tia, colocar a última travessa com arroz na mesa.Os outros participantes continuam na sua cacofonia familiar, risadas, gritos de crianças, talheres e copos. Conversas sem eira nem beira.Observo que meu tio, após ver minha tiasentar-se, apruma ainda mais o peito, avança para a travessa e pega sua porção.  E oficializa o início do repasto. E um murmúrio mandibular se inicia.Num determinado momento,...
Las caraotas y Dios – Ricardo Martins
Ricardo Martins

Las caraotas y Dios – Ricardo Martins

ler em portuguêsReunión familiar. Almuerzo. Mesa rectangular con sus participantes. Tíos, tías, hermano, hermanas. Hijos, hijas sobrinos.Sentado erguido, esperando a que comenzara la comida. El tío mayor. El más severo. El dueño de la casa. Mi tío.Tenía una mirada severamente conciliadora. Sentado al final de la mesa, pecho hinchado, corte de pelo autoritario y orgulloso, esperando que su mujer, mi tía, ponga el último plato de arroz en la mesa.Los demás participantes continúan con su familiar cacofonía, risas, gritos infantiles, cubiertos y vasos. Conversaciones sin trillar ni orillar.Observo que mi tío, después de ver a mi tía sentarse, endereza aún más el pecho, avanza hasta la fuente y toma su porción. Y oficializa el inicio de la comida. Y comienza un soplo mandibular.En un momento, m...
O Véu. A agressão. O grito – Ricardo Martins
32b, Ricardo Martins

O Véu. A agressão. O grito – Ricardo Martins

leer en españolEle a agarra pelo pescoço com uma só mão.  Seu cenho, franzido, raivoso. Ela, olhar assustado, indignado. Medo.E a empurra para trás. Rapidamente. Sem largar o pescoço dela. Atravessam o palco. Rápido.Essa violência representa a essência do espetáculo de dança "Punk Como Liberdade Emocional”, idealizado, coreografado, desenho de figurinos e interpretação de Mayara Machado.Digo "interpretado" pois a carga dramática, extremamente intensa, extrapolou a expressão do corpo pela dança.  Medo, raiva, violência, depressão, angústia, agressão, abuso, noiva, mãe foram ingredientes nesse retrato da violência contra a mulher.Uma violência a que atinge muitas mulheres dentro de seus lares ou nas ruas. Uma violência que se torna silenciosa por aqueles que ainda teimam em negá-la.Esse espe...
Us and them – Ricardo Martins
31a, Ricardo Martins

Us and them – Ricardo Martins

Leer en españolInício dos anos 1970. Eu, na pré-adolescência.  Naquela época, tínhamos pequeno aparelho de rádio em casa. E não existia FM.A programação musical das emissoras de rádio de então era bem mais rica. Ouvia-se Elis Regina, Isaurinha Garcia, Ângela Maria, Maysa, Elisete Cardoso, Nelson Gonçalves, Roberto Carlos, em sua fase mais produtiva, à época da Jovem Guarda, os mestres do samba, da bossa nova, Frank Sinatra, Dean Martin, Ray Coniff, Vinicius de Moraes ...E rock and roll.Elvis Presley, Beatles, Janis Joplin, Jimmy Hendrix, Mutantes, Os Incríveis, Jovem Guarda. Aquela profusão de sons em meio ao noticiário sobre a guerra do Vietnã.E pela TV, num sábado a tarde, após o almoço, eu estava assistindo "Sábado Som", programa apresentado por Big Boy, o mais importante Dj da época.Na...
Aburrimiento – Ricardo Martins
Ricardo Martins

Aburrimiento – Ricardo Martins

ler em português Me siento frente al televisor. En uno de esos canales de streaming, buscando algo que me atraiga y distraiga. ¿Una serie? ¿Una pelicula? Y miro ... miro ... abro una película. La veo y me desintereso antes de llegar a su final. Abro un programa ... dos o tres episodios después ... y comienza el desinterés, con la amarga certeza de que he perdido el tiempo. Busco otro ... y otro ... y así, en una irritante sucesión, nada me llama la atención. Y empiezo a preocuparme. ¿Qué pasa? ¿Algún síntoma de déficit de atención? ¿Alzheimer no tan temprano? ¿O una fuerte sensación de déjà vu? ¿Debería preocuparme por cómo me siento? ¿O con lo que me presentan? ¿O ambos? Nos estamos acostumbrando a ver algo lo que proporciona un cierto consuelo en la trama, donde ya se intu...